Cara! A primeira vez que eu li este poema do Roberto Piva foi tão marcante, tão punk quanto uma viagem de mochilão na base de meros trocados no bolso de um jeans açoitado pelo tempo. Manja? Aquela pura doideira franciscana. Lembro que eu trabalhava de office-boy. Nessa época eu já cultivava o hábito de andar sempre com algum livro, ora na pastinha de "serviços de banco", ora carregando na mão mesmo. E nessa ocasião , eu tinha acabado de comprar o livro "Paranóia" do Piva num daqueles sebos do centro de São Paulo, que se encontra de tudo, se marcar até um original do "Lusíadas". Coisa de louco esses sebos. O meu serviço estava adiantado, precisava matar umas horas para não chegar muito cedo no escritório. Então, sentei na escadaria do Teatro Municipal e fui, casualmente, direto na página desse poema:
BOLETIM DO MUNDO MÁGICO
Meus pés sonham suspensos no Abismo
minhas cicatrizes se rasgam na pança cristalina
eu não tenho senão dois olhos vidrados e sou um órfão
havia um fluxo de flores doentes nos subúrbios
eu queria plantar um taco de snooker numa estrela fixa
na porta do bar eu estou confuso como sempre mas as
galerias do meu crânio não odeiam mais a batucada dos ossos
colégios e carros fúnebres estão desertos
pelas calçadas crescem longos delírios
punhados de esqueletos são atirados no lixo
eu penso nos escorpiões de ouro e estou contente
os luminosos cantam nos telhados
eu posso abrir os olhos para a lua aproveitar o medo das nuvens
mas o céu roxo é uma visão suprema
minha face empalidece com o álcool
eu sou uma solidão nua amarrada a um poste
fios telefônicos cruzam-se no meu esôfago
nos pavimentos isolados meus amigos constróem um manequim fugitivo
meus olhos cegam minha mente racha-se de encontro a
uma calota minha alma desconjuntada passa rodando
Roberto Piva - Paranóia (1963)
Nossa! Que viagem forte este poema provocou na minha mente, versos malucos, físicos e metafísicos, vento forte, porre solitário, um rock and roll alucinado como o som do The Doors. Nesse dia, na escadaria do Municipal, o meu juízo, que já não era muito normal, ficou girando, girando...

Nenhum comentário:
Postar um comentário